domingo, 7 de junho de 2015

Educação Especial

EDUCAÇÃO ESPECIAL


À semelhança de muitos países, Portugal tem feito mudanças no seu sistema educativo de forma a torná-lo mais inclusivo isto é fazer com que as escolas regulares se reformem de forma a acolher e a educar capazmente todos os alunos incluíndo os que têm condições de deficiência. Este artigo procura traçar um panorama actual da Educação Especial e Inclusiva em Portugal em particular depois da publicação da lei 3/2008 que originou mudanças sensíveis no sistema. São discutidas as linhas centrais da legislação, apresentados dados estatísticos sobre a situação portuguesa no final de 2009 e finalmente são lançadas pistas de discussão sobre algumas das opções que foram assumidas pelo Governo nesta matéria nomeadamente quanto ao sistema de elegibilidade, quanto à fomação de professores e às políticas de financiamento.




Legislação atual


Foi publicado em 7 de Janeiro de 2008 o decreto-lei 3/2008. Esta lei revogou a legislação que até então existia (nomeadamente o dec-lei 319/91) já com 19 anos de publicação.
Vários pontos são determinantes na comparação destes dois documentos. A população abrangida pelos serviços de Educação Especial passa a ser definida pelo âmbito proposto na Classificação Internacional de Funcionalidade da Organização Mundial de Saúde - CIF (2007). É explicitamente determinado que os serviços de Educação Especial se destinem a:
[...] crianças e jovens com limitações significativas ao nível da atividade e da participação num ou vários domínios de vida decorrentes de alterações funcionais ou estruturais de caráter permanente resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social.
Esta aproximação aos conceitos da CIF verifica-se também ao nível do processo de avaliação em que é explicitamente indicado que a avaliação deve ser feita "tendo por referência a CIF".
O decreto-lei 3/2008 preconiza a existência de um único documento oficial, o PEI - Programa Educativo Individual - que estabelece as respostas educativas e respectivas formas de avaliação para cada aluno. Este PEI é elaborado por professores e psicólogos e deve ser acordado com a família do aluno. Cria ainda um Plano Individual de Transição que complementa o PEI, preparando a integração pós-escolar, no caso dos jovens cujas necessidades educativas os impeçam de adquirir as aprendizagens e competências definidas no currículo comum.
O mesmo documento legal circunscreve a Educação Especial aos alunos com Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente (NEECP), formalizando a separação entre a Educação Especial - exclusiva para os alunos que apresentem NEECP identificados por referência à CIF - e os Apoios Educativos, que prestam atendimento aos restantes alunos com dificuldades escolares.
Sob o ponto de vista conceptual, a lei 3/2008 afirma no seu ponto 1 que:
[...] a Educação Especial tem por objetivos a inclusão educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, bem como a promoção da igualdade de oportunidades, a preparação para o prosseguimento de estudos ou para uma adequada preparação para a vida profissional e para uma transição da escola para o emprego das crianças e dos jovens com necessidades educativas especiais nas condições acima descritas.
Em termos de princípios, esta nova legislação consagra como aspecto determinante da construção de uma escola de qualidade a promoção de uma escola democrática e inclusiva, orientada para o sucesso educativo de todas as crianças e jovens e que deve responder à diversidade, incluindo todos os alunos. A escola deve, pois, contribuir para a inclusão educativa e social, promover a igualdade de oportunidades, o acesso e sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, e preparação para o prosseguimento de estudos ou vida profissional.
Há igualmente uma caracterização do público alvo da Educação Especial, nomeadamente os alunos com Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente.
[...] alunos com limitações significativas ao nível da atividade e da participação, num ou vários domínios da vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caráter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social. (Dec.-Lei 3/2008 Artigo 1º.ponto1).
Esta definição aponta para uma dupla origem de dificuldades do aluno: as provenientes do foro clínico e as limitações significativas e permanentes que se verifiquem nas diversas áreas da sua funcionalidade. Engloba os alunos com deficiência, mas também outros com problemáticas como déficits cognitivos, hiperatividade e déficit de atenção, dislexia-disortografia, alterações comportamentais e da personalidade, entre outras, decorrentes de alterações estruturais do indivíduo. A abrangência do processo de identificação depende, obviamente, dos critérios de aplicação da CIF.
Outros aspectos da regulamentação do Decreto-Lei 3/2008:
- Alarga o âmbito da Educação Especial ao ensino particular, cooperativo e Pré-escolar, para além do ensino básico e secundário, já anteriormente contemplados.
- Refere à necessidade de normalização dos instrumentos de certificação de estudos, contendo as medidas aplicadas ao aluno, esclarecendo dúvidas da legislação anterior.
- Define o papel dos encarregados de educação, reforçando a sua participação e poder de decisão no referenciamento, avaliação e planificação.
- Refere à necessidade dos Projetos Educativos dos Agrupamentos referirem os aspectos organizacionais do apoio a estas crianças, bem como responsabiliza e reforça o Conselho Pedagógico na aprovação dos PEI e Grupo Disciplinar de Educação Especial e Serviços de Psicologia, pelos aspectos de avaliação e referenciação dos alunos.
É importante notar que quatro meses depois da publicação da lei 3/2008, foi publicada uma retificação em alguns aspectos da lei (Lei nº. 21/2008 de 12 de Maio). Esta retificação modera a opção imediata por modelos de educação inclusiva e coloca a opção dos pais como decisiva face ao sistema de educação em que o seu filho deve ser educado. É explicitamente dito que:
[...] Nos casos em que a aplicação das medidas previstas nos artigos anteriores se revele comprovadamente insuficiente em função do tipo e grau de deficiência do aluno, podem os intervenientes no processo de referenciação e de avaliação constantes do presente diploma, propor a frequência de uma instituição de Educação Especial" (Art. 7).

E ainda que "os pais ou encarregados de educação podem solicitar a mudança de escola onde o aluno se encontra inscrito" (art. 8).


Equipes multidisciplinares e avaliação especializada

Uma das grandes inovações da presente lei 3/2008 é a importância que é dada à Classificação Internacional de Funcionalidade (OMS, 2007). Esta Classificação desempenha um papel central no processo de avaliação sendo determinado que "[...] os resultados decorrentes da avaliação, obtidos por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da Organização Mundial de Saúde" (4:3).
É ainda claramente estabelecido que:
[...] o modelo do Programa Educativo Individual integra os indicadores de funcionalidade, bem como os fatores ambientais que funcionam como facilitadores ou como barreiras à atividade e participação do aluno na vida escolar, obtidos por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, em termos que permitam identificar o perfil concreto de funcionalidade (9:2).
O modelo do Programa Educativo Individual é, pois, muito influenciado pelos conceitos da CIF. Neste Programa devem constar obrigatoriamente:
a) A identificação do aluno.
b) O resumo da história escolar e outros antecedentes relevantes.
c) A caracterização dos indicadores de funcionalidade e do nível de aquisições e dificuldades do aluno.
d) Os fatores ambientais que funcionam como facilitadores ou como barreiras à participação e à aprendizagem.
e) Definição das medidas educativas a implementar.
f) Discriminação dos conteúdos, dos objetivos gerais e específicos a atingir e das estratégias e recursos humanos e materiais a utilizar.
g) Nível de participação do aluno nas atividades educativas da escola.
h) Distribuição horária das diferentes atividades previstas.
i) Identificação dos técnicos responsáveis.
j) Definição do processo de avaliação da implementação do programa educativo individual.
l) A data e assinatura dos participantes na sua elaboração e dos responsáveis pelas respostas educativas a aplicar.
É também obrigatória uma explicitação do percurso de sinalização e avaliação dos alunos referenciados, estabelecendo um prazo limite de 60 dias, para se proceder a uma avaliação especializada com referência à CIF, para a escola decidir se o aluno se enquadra no perfil de NEECP. Caso seja considerado NEECP, poderá aceder aos apoios e medidas da Educação Especial, caso não, é encaminhado para outras modalidades de apoio nomeadamente o Apoio Educativo.
Neste processo, deverá estar envolvida uma equipe multidisciplinar, composta pelos docentes do regular e especial, psicólogos dos serviços do Ministério da Educação colocados nas escolas, encarregados de educação, bem como outros técnicos especialistas. Verificando-se que a presença de psicólogos nos Agrupamentos não cobre ainda grande parte da rede nacional e não existindo outros técnicos ou terapeutas no sistema, existe a necessidade de proceder a protocolos com outras instituições.
Nesse âmbito, foram criados Centros de Recursos para a Inclusão (CRI), através da reestruturação das instituições de Educação Especial, que deixam de ter população em idade escolar. Os técnicos e outros recursos colaboram nas escolas através de protocolos com estes CRI, pertencentes a instituições. Os CRI são financiados pelo próprio ministério da Educação, não sendo previsto qualquer financiamento direto para o ensino regular. Uma das metas apontadas pelas entidades oficiais é eliminar os encaminhamentos para instituições, criando condições no ensino regular para atender todas as crianças. Neste momento, a reestruturação das Instituições em Centros de Recursos para a Inclusão, CRI, ocorreu em 74 estabelecimentos. (DGIDC, 2009).




Formação de Professores


Não estão publicados números exatos, mas sabe-se que em 2005 só 40% dos professores que desempenhavam funções na Educação Especial tinham formação especializada nesta área. A situação é certamente melhor atualmente, mas continua a existir uma carência de profissionais com formação no sistema.
A formação de professores é atualmente assegurada por um grande número de universidades e escolas politécnicas tanto do ensino público como sistema privado.
A formação de professores de Educação Especial é assegurada através de programas de formação especializada. Esta formação, conforme a legislação que a acredita, deve ter uma carga mínima de 250 horas e deve ser lecionada durante 22 semanas letivas.
Segundo a legislação, a esta formação especializada só poderá ser considerada efetiva para efeitos profissionais para os alunos que à data de admissão sejam educadores ou professores e tenham, pelo menos, cinco anos de serviço docente. Entretanto, a portaria 212/2009, de 23 de Fevereiro, admite ao concurso para professores de Educação Especial os professores que tenham concluído cursos de formação especializada ou de qualificação para o exercício de outras funções educativas sem a menção específica à obrigatoriedade de ter cinco anos de serviço.
O Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua considera que os cursos de especialização para educadores e professores no âmbito das Necessidades Educativas Especiais se podem organizar em seis especialidades: 1. Domínio cognitivo e motor, 2. Domínio emocional e da personalidade, 3. Domínio da audição e surdez, 4. Domínio da visão, 5. Domínio da comunicação e linguagem e 6. Domínio da intervenção precoce na infância.
A organização do currículo encontra-se também determinada por lei. Está determinado que estes cursos de formação especializada contêm obrigatoriamente um componente geral de Ciências da Educação, um componente específico na área da especialização e um componente respeitante à elaboração, desenvolvimento e avaliação de um projeto na área de especialização. O componente de Ciências da educação deve ter o mínimo de 50 horas e preencher o curso até ao máximo de 20% da carga letiva; o componente específico da área de especialização não pode ser inferior a 60% da carga horária total e o componente de formação orientada para a elaboração do projeto deve ter o mínimo de 40 horas.
Presta-se, nesta legislação, uma particular atenção à qualificação do corpo docente dado que é explicitamente referido que 70% da carga horária dos cursos devemos ser asseguradas por professores com o grau acadêmico de mestre e doutor.
Na área específica de Educação Especial, as competências a desenvolver por estes cursos situam-se a quatro níveis: competências de análise crítica, competências de intervenção, competências de formação, de supervisão e de avaliação e competências de consultoria.
Com as mudanças operadas com vista à harmonização do sistema de ensino Superior ao Processo de Bolonha, alterações importantes se passaram nesta situação. A formação de professores passou a ser feita só através da frequência de um segundo ciclo de estudos (Mestrado). Isto implica que qualquer professor só termina a sua habilitação para a docência depois de um curso de Mestrado. Assim, a especialização em Educação Especial passa a ser feita para alunos que têm já um Mestrado e que vem frequentar um curso de especialização em Educação Especial.
Desde 2008, quando esta legislação foi aprovada, multiplicam-se nas escolas Superiores de Educação públicas e privadas (Ensino Superior Politécnico), bem como nas Universidades (com particular realce para as universidades privadas) cursos de Mestrado em Educação Especial que têm vindo progressivamente a substituir os anteriores Cursos de especialização ou Pós-graduados em Educação Especial.
Dado o caráter recente destas medidas, falta ainda uma avaliação sobre o impacto desta modificação nos diferentes níveis. Algumas notas são possíveis de adiantar:
1. Os cursos de Mestrado que anteriormente tinham um caráter predominantemente de introdução à investigação científica, adquirem cada vez mais características profissionalizantes.
2. A mudança de filosofia dos cursos implicará naturalmente mudanças curriculares, de metodologias e de objetivos de formação.
3. No presente momento não existe ainda uma clara definição das características de uma via "científica" e de outra via "profissionalizante", o que tem originado alguma indeterminação.




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